MECANISMOS GERAIS DA DEPENDÊNCIA
08/05/2025

Importante destacar que existe, no cérebro, uma área responsável pelo prazer.
O prazer, que sentimos ao comer, fazer sexo ou ao expor o corpo ao calor do sol, é integrado numa área cerebral chamada sistema de recompensa cerebral. Esse sistema foi relevante para a sobrevivência da espécie humana. Quando sentiam prazer na atividade sexual, a tendência era repeti-la causando a reprodução da espécie. Estar abrigado do frio não só dava prazer, mas também protegia a espécie. Desse modo, evolutivamente, criamos essa área de recompensa e é nela que a ação química de diversas drogas interfere. Apesar de cada uma possuir mecanismo de ação e efeitos diferentes, a proposta final é a mesma, não importa se tenha vindo do cigarro, álcool, maconha, cocaína ou heroína. Por isso, só produzem dependência as drogas que de algum modo atuam nessa área.
O LSD, por exemplo, embora tenha uma ação perturbadora no sistema nervoso central e altere a forma como a pessoa vê, ouve e sente, não dá prazer e, portanto, não cria dependência. Vários são os motivos que levam à dependência química, mas a intenção final é sempre a mesma. De alguma maneira, as drogas pervertem o sistema de recompensa cerebral. A pessoa passa a dar-lhes preferência quase absoluta, mesmo que isso atrapalhe todo o resto em sua vida. Para quem está de fora fica difícil entender por que o usuário de álcool, cocaína ou de crack, com a saúde deteriorada, não abandona a droga.
Tal comportamento reflete uma disfunção do cérebro. A atenção do dependente se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso do álcool e as outras drogas, fazendo com que percam significado todas às outras fontes de prazer.
O álcool e as outras drogas acionam o sistema de recompensa do cerebral, uma área encarregada de receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo. Isso vale para todos os 14 tipos de prazer – temperatura agradável, emoção gratificante, alimentação, sexo etc. – e desempenha função importante para a preservação da espécie. Evolutivamente o homem criou e desenvolveu essa área de recompensa e é nela que o álcool e as outras drogas interferem.
Por uma espécie de curto-circuito, elas provocam uma reação química que causa uma ilusão de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, perdem o significado todas as outras fontes naturais de prazer (empobrecimento do repertório) e só interessa o prazer imediato propiciado pelo álcool e as outras drogas, mesmo que isso comprometa e ameace a vida do usuário. A maioria das pessoas usam álcool com moderação, mas algumas fazem uso abusivo.
Há quem fume maconha ou use cocaína esporadicamente, mas existem os que fumam crack por longos períodos. Parte da resposta a esta questão está na tendência ao uso crônico e no histórico familiar de cada pessoa. Quando começou a usar? Como interpreta os sintomas da síndrome de abstinência? Além disso, o que vai fazer com que repita a experiência não é só a busca do prazer, mas a tentativa de evitar o desprazer que a ausência do álcool e as outras drogas produzem.
A dependência é um processo de aprendizado. O fumante, por exemplo, pela manhã já manifesta sintomas da abstinência. Fica irritado e sua capacidade de concentração baixa. Ele fuma, o desconforto diminui. Vinte minutos depois, o nível de nicotina no cérebro cai, voltam os sintomas da abstinência e ele vai aprendendo a usar a droga pelo efeito agradável que proporciona e para evitar o desprazer e desconforto que sua falta produz. A dependência é fruto, então, do mecanismo psicológico que a um só tempo induz o indivíduo a buscar o prazer e evitar o desprazer, e fruto das alterações cerebrais que a droga provoca.
Essa interação entre aspectos psicológicos e efeito farmacológico vai determinar o perfil dos sintomas de abstinência de cada pessoa. A compulsão é menor naquelas que toleram a abstinência um pouco mais, e maior nas que a inquietação é intensa diante do menor sinal da síndrome de abstinência. Resumindo: a dependência química pressupõe o mecanismo psicológico de buscar a droga e a necessidade biológica que se criou no organismo. Disso resulta a diversidade de comportamentos dos usuários.
A maconha é um bom exemplo. Seu uso compulsivo hoje é maior do que era há 20, 30 anos e, de acordo com as evidências, quanto mais cedo o indivíduo começa a usá-la, maior é a possibilidade de tornar-se dependente. Como garotos de 12, 13 anos e, às vezes, até mais novos, estão usando maconha, atualmente o problema se agrava. Além disso, as concentrações de THC (princípio ativo da maconha) aumentaram muito nos últimos tempos. Na década de 1960, andavam por volta de 0,5% e agora alcançam 5%. Portanto, a maconha de hoje é 10 vezes mais potente do que era naquela época. Não existem drogas leves, se produzirem estímulo no sistema de recompensa cerebral. Em geral, as pessoas perguntam: mas se a droga dá prazer, qual é o problema?
O problema é que ela não mexe apenas na área do prazer. Mexe também em outras áreas e o cérebro fica alterado. Diante de uma fonte artificial de prazer, ele reage de modo impróprio. Se existe a possibilidade de prazer imediato, por que investir em outro que demande maior esforço e empenho? A droga perverte o repertório de busca de prazer e empobrece a pessoa. Comer, conversar, estabelecer relacionamentos afetivos, trabalhar são fontes de prazer que valorizamos, mas não são imediatas. É importante distinguir, no álcool e as outras drogas, o efeito imediato do efeito cumulativo.
No geral, sob a ação da maconha, a pessoa ansiosa relaxa um pouco, mas esse é um efeito de curto prazo. O álcool também relaxa num primeiro momento. No entanto, as evidências demonstram que nas pessoas ansiosas seu uso crônico aumenta os níveis de ansiedade, porque o cérebro reage tentando manter o sistema em equilíbrio.
Se alguém usa um estimulante, passado o efeito, o cérebro não volta ao funcionamento normal imediatamente. Surge o efeito rebote. Isso ocorre com qualquer droga. Tanto 15 com a maconha quanto com o álcool, findo o efeito depressor, o efeito rebote elevará os níveis de ansiedade. A maconha diminui a concentração, a memória e a atenção. É um efeito bastante rápido. Estudos mostram que, se alguém usar maconha num dia e medir os níveis de memória e concentração no outro, eles estarão ligeiramente alterados. Isso tem um impacto bastante negativo na vida dos adolescentes. Na verdade, não há droga que melhore o desempenho intelectual.
Nós sabemos que pessoas criativas usam drogas e produzem coisas criativas. Se elas não fossem criativas por natureza, não haveria droga no mundo capaz de produzir esse resultado. Em relação à saúde, o efeito mais grave da cocaína são os problemas cardíacos e cardiovasculares. Quando associada ao álcool, então, ela é uma das principais causas de infarto do miocárdio em adultos jovens. De alguma forma, o álcool faz com que a pessoa se sinta mais liberada e use cocaína, um estimulante potente. Para diminuir a excitação, ela torna a beber e, como num círculo vicioso, a usar cocaína. A confusão cerebral aumenta consideravelmente e a tendência é beber e consumir mais cocaína. Trata-se de uma reação perturbadora em que o álcool incentiva o consumo de cocaína e vice-versa.
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